segunda-feira, 13 de abril de 2015

Obras de Misericórdia

Das Obras de Misericórdia à Misericórdia das Obras



"O Tríduo Pascal manifesta a Misericórdia desmedida de Deus e do coração de Deus, que é igualmente o coração do Ano Litúrgico, que estamos a viver, nasce a Igreja. A Igreja, ao praticar as obras de Misericórdia, existe para mostrar a Misericórdia das obras – Cristo crucificado e ressuscitado.
A Páscoa é a passagem das obras de Misericórdia à Misericórdia das obras, ou seja é a passagem do fazer ao ser em Deus Rico de misericórdia, «Deus, que é rico em misericórdia, pelo amor imenso com que nos amou, precisamente a nós que estávamos mortos pelas nossas faltas, deu-nos a vida com Cristo - é pela graça que vós estais salvos - com Ele nos ressuscitou e nos sentou no alto do Céu, em Cristo. Pela bondade que tem para connosco, em Cristo Jesus, quis assim mostrar, nos tempos futuros, a extraordinária riqueza da sua graça (Ef 2, 4-7). Cada um de nós é filho muito amado de Deus. «Deus amou-nos primeiro» (1Jo 4,19) e esta confiança em Deus e na Palavra da Sua Graça (At 20, 32) abre-nos à Misericórdia sem medida. O mistério pascal é a vitória do bem sobre o mal, da vitória da vida sobre a morte. A Páscoa é um dia eterno de misericórdia. O mundo continua marcado pela força diabólica do mal, do qual a pessoa humana é artífice e vítima, mas o seu limite «é em definitivo a divina misericórdia» (J. Paulo II, memória e identidade).
Hoje, precisamos todos de reaprender a gramática elementar da Misericórdia. Recordemos as 14 obras de Misericórdia:


As sete obras de misericórdia corporal:
1. Dar de comer a quem tem fome
2. Dar de beber a quem tem sede
3. Vestir os nus
4. Dar pousada aos peregrinos
5. Visitar os enfermos
6. Visitar os presos
7. Enterrar os mortos.

As sete obras de misericórdia espiritual:
1. Dar bons conselhos
2. Ensinar os ignorantes
3. Corrigir os que erram
4. Consolar os tristes
5. Perdoar as injúrias
6. Suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo
7. Rezar a Deus por vivos e defuntos. 

O Novo testamento distinguiu 7 obras de misericórdia corporal e 7 obra de misericórdia espiritual, que o Catecismo da Igreja Católica, explicita no nº 2447:
«As obras de misericórdia são as acções caridosas pelas quais vamos em ajuda do nosso próximo, nas suas necessidades corporais e espirituais. Instruir, aconselhar, consolar, confortar, são obras de misericórdia espirituais, como perdoar e suportar com paciência. As obras de misericórdia corporais consistem nomeadamente em dar de comer a quem tem fome, albergar quem não tem tecto, vestir os nus, visitar os doentes e os presos, sepultar os mortos. Entre estes gestos, a esmola dada aos pobres é um dos principais testemunhos da caridade fraterna e também uma prática de justiça que agrada a Deus: «Quem tem duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma, e quem tem mantimentos, faça o mesmo»  (Lc 3, 11). «Dai antes de esmola do que possuis, e tudo para vós ficará limpo»  (Lc 11, 41). «Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem do alimento quotidiano, e um de vós lhe disser: "Ide em paz; tratai de vos aquecer e de matar a fome", mas não lhes der o que é necessário para o corpo, de que lhes aproveitará?» (Tg 2, 15-16)».
Nestes tempos difíceis, recordar a tradição das obras de misericórdia significa apreender a caridade e a misericórdia como arte do encontro, como arte da relação, como arte de viver, mas significa sobretudo novo impulso de humanidade, para não permitir que o cinismo, a corrupção, a mentira, a ambição do poder e do domínio sobre os outros, a barbárie e a indiferença levem a melhor.
S. Bento, o padroeiro da Europa e da nossa Diocese de Bragança-Miranda, na sua Regra, desenvolveu o elenco das 14 obras de misericórdia no capítulo IV, a que intitulou: os instrumentos das boas obras. E, ao concluir afirmou: «Orar, no amor de Cristo, pelos inimigos. Voltar à paz, antes do pôr do sol, com aqueles com quem teve desavença. E nunca desesperar da misericórdia de Deus».
É esforço diário a superação da auto-referencialidade, do egoísmo e do orgulho. Hoje temos tantas formas de pobreza: a económica e material, a cultural e social, a espiritual e afectiva. Todavia, a misericórdia não se pode limitar à pobreza material, sobretudo em tempos de crise. O nosso compromisso tem de ser integral, para salvar o todo da pessoa e toda a pessoa que mais precisa da nossa ajuda.
Às vezes abusa-se da misericórdia e da religião, porque a misericórdia e a religião aparecem como uma espécie de amaciador para a moral cristã. Hoje, parece que tudo se mascara. Uma forma de pseudo-misericórdia a de tutelar mais o agressor que a vítima e da postura do laissez-faire, laissez passer, para não nos incomodarmos com os filhos, com os pais, com os outros.
O afecto com os nossos pais, os nossos avós, os mais idosos, as crianças, os jovens, os adultos, faz da nossa comunidade uma família de famílias. Na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, no trabalho e no descanso, a Misericórdia vem ao encontro da nossa miséria.
Santa Faustina, cuja canonização S. João Paulo II celebrou em 30 de Abril de 2000, a primeira do III milénio, descreveu bem numa oração em 1937 o sentido da misericórdia que transforma a vida do cristão:
«Desejo transformar-me toda em Vossa misericórdia, para tornar-me o Vosso reflexo vivo, ó meu Senhor! Que a Vossa misericórdia, que é insondável e de todos os atributos de Deus o mais sublime, se derrame do meu coração e da minha alma sobre o próximo.
Ajudai-me, Senhor, para que os meus olhos sejam misericordiosos, de modo que eu jamais suspeite nem julgue as pessoas pela aparência externa, mas perceba a beleza interior dos outros e possa ajudá-los.
 Ajudai-me, Senhor, para que os meus ouvidos sejam misericordiosos, de modo que eu esteja atenta às necessidades dos meus irmãos e não me permitais permanecer indiferente diante de suas dores e lágrimas.
Ajudai-me, Senhor, para que a minha língua seja misericordiosa, de modo que eu nunca fale mal dos meus irmãos; que eu tenha para cada um deles uma palavra de conforto e de perdão.
Ajudai-me, Senhor, para que as minhas mãos sejam misericordiosas e transbordantes de boas obras, nem se cansem jamais de fazer o bem aos outros, enquanto aceite para mim as tarefas mais difíceis e penosas.
 Ajudai-me, Senhor, para que sejam misericordiosos também os meus pés, para que levem sem descanso ajuda aos meus irmãos, vencendo a fadiga e o cansaço (...)
Ajudai-me, Senhor, para que o meu coração seja misericordioso e se torne sensível  a todos os sofrimentos do próximo. (...) Ó meu Jesus, transformai-me em Vós, porque Vós tudo podeis» (Diário, 163).
         Segundo a famosa “regra de ouro” transversal a todas as religiões – que façamos aos outros o que gostaríamos que nos fosse feito a nós – ou como dizia Gandhi: «não vos posso fazer mal sem me ferir a mim mesmo», temos de ser testemunhas da misericórdia. Todos os dias temos uma oportunidade para reavivarmos o amor aos outros: aos pais, aos irmãos, aos familiares e aos parentes, aos vizinhos, aos colegas de escola ou de trabalho, aos amigos, o rosto da humanidade angustiada e ferida em países em guerra ou vítimas da fome e catástrofes naturais, que a comunicação social traz às nossas casas.
«Os olhos de Deus sobre o mundo é o Coração de Cristo, mas a pupila é essa Ferida. O olho é o coração porque, mesmo sendo o olho o órgão para ver (na Trindade o Olho de Deus é o Verbo), Deus que é Amor não pode ver senão com o Coração. Nele, Amor e Luz fazem unidade» (C. Lubich).
O Papa Francisco acaba de nos surpreender pela proclamação, no dia 13 de Março de 2015, o segundo aniversário da sua eleição para sucessor de Pedro, de um Jubileu extraordinário, dedicado à Misericórdia: “decidi convocar um Jubileu extraordinário centralizado na misericórdia de Deus. Será um Ano Santo da Misericórdia. Queremos vivê-lo à luz da palavra do Senhor: “Sede misericordiosos como o vosso Pai” (cfr Lc 6, 36)”. 
“Este Ano Santo terá início na próxima solenidade da Imaculada Conceição e se concluirá em 20 de Novembro de 2016, Domingo de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do universo e rosto vivo da misericórdia do Pai”. A finalidade é tornar mais evidente que a missão da Igreja é a de “ser testemunha da misericórdia”. “Ninguém pode ser excluído da misericórdia de Deus – diz Francisco; todos conhecem o caminho para ter acesso a ela e a Igreja é a casa que todos acolhe e a ninguém rejeita. Suas portas permanecem escancaradas, a fim de que aqueles que foram tocados pela graça possam encontrar a certeza do perdão. Maior é o pecado e maior deve ser o amor que a Igreja expressa para com aqueles que se convertem”.
Nunca nos rendamos ao mal. O mal não pode ter nunca a última palavra. Como o salmista possamos viver a misericórdia e rezar com a vida: «cantarei eternamente as misericórdias do Senhor» (Sl 89,2).
A Misericórdia é o modo de amar de Deus, ou melhor a Misericórdia é o autêntico nome de Deus!"

+  José Cordeiro

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